terça-feira, fevereiro 12, 2013

sábado, fevereiro 02, 2013

Como ficar com um país mais pobre





O Município de Barcelos foi condenado, em janeiro deste ano, por um tribunal arbitral de Lisboa a pagar mais de 172 milhões de euros à empresa Águas de Barcelos (ADB), uma sociedade anónima com sede nesse concelho a quem tinha sido adjudicada, em janeiro de 2005, a concessão da exploração e gestão dos serviços públicos municipais de abastecimento de água e de saneamento do município. Aquela verba constitui uma compensação à ADB por os consumos de água dos habitantes de Barcelos entre 2005 e 2035 serem inferiores aos previstos no contrato de concessão.
Os termos e condições da concessão são escandalosamente leoninos a favor da empresa privada e à custa do património do município de Barcelos e dos interesses legítimos dos seus munícipes. A empresa não assumiu qualquer risco, pois ficou com o lucro garantido pelo preço dos elevados e irrealistas consumos de água fixados no contrato ou então pelas indemnizações a que o município se obrigou caso esses consumos fossem inferiores, como veio a acontecer.
De frisar que o contrato de concessão previa um consumo de água por dia de 126 litros por habitante em 2005, quando, na realidade, esse consumo foi apenas de 112 litros; para 2006, o consumo previsto era de 129 litros, mas diminuiu para 90 litros por dia; para 2007, era de 132 litros e o real foi de 81; em 2008, o consumo previsto foi de 135 litros e o real foi de 75 e em 2009, o previsto foi de 138 litros e o real de 75 litros por dia. Ou seja, o contrato previa um aumento progressivo do consumo de água e a realidade mostrou uma diminuição, o que, no mínimo, demonstra a leviandade ou má-fé de quem fez ou aceitou essas previsões sem os estudos que as sustentassem. Ou será que tais estimativas foram deliberadamente exageradas? Saliente-se que a ADB é propriedade da AGS - Administração e Gestão de Sistemas de Salubridade, SA (propriedade da Somague), uma empresa muito experiente no ramo, pois está há muitos anos no mercado e detém idênticas concessões em muitos outros municípios.
Atente-se, por outro lado, que os contadores de água, que custavam 17 euros, eram obrigatoriamente alugados pela empresa concessionária por 3 euros por mês aos munícipes; ou seja, só em um ano a empresa ganhava com esse aluguer mais do dobro do seu custo. Por outro lado, se fosse necessário substituir um contador o consumidor teria de pagar uma taxa para retirar o antigo e outra taxa para colocar o novo. Além disso, os ramais que ligam as redes domésticas à rede pública de saneamento tinham de ser adquiridos à concessionária que os vendia a mais de mil euros quando custavam menos de 100 euros. Já nem nos países do terceiro Mundo se fazem negócios assim.
Tratou-se, pois, de um contrato feito à medida dos interesses da concessionária à custa dos direitos e interesses do município e dos munícipes de Barcelos. Isso mesmo parece ter sido detetado pela IGAL (Inspeção-Geral da Administração Local) que enviou o relatório de uma inspeção ao DCIAP (para procedimento criminal), ao Tribunal de Contas (para efeito de responsabilização financeira) e ao Ministério Público junto do Tribunal Administrativo de Braga (para uma ação de anulação do contrato). Está-se à espera.
Este caso suscita muitas dúvidas e perplexidades. Por que é que o município de Barcelos e uma empresa de Barcelos fixaram uma arbitragem em Lisboa para um litígio judicial? Por que é que num contrato de concessão de um serviço público a uma empresa privada, envolvendo relevante interesse público e quantias tão elevadas, se renuncia aos tribunais do Estado e a juízes independentes? Por que é que as partes renunciaram ao direito de recurso? Serão infalíveis os advogados transformados em "juízes" nos tribunais arbitrais? O mínimo que se pode dizer da sentença é que ignorou princípios fundamentais de Direito, como os do erro, da boa-fé, do abuso de Direito, da alteração superveniente das circunstâncias, entre outros.
De salientar que os três "juízes" do tribunal arbitral cobraram em conjunto mais de quinhentos mil euros de honorários, ou seja, cada um ganhou, só com este processo, mais do que um juiz de Direito ganha em dois anos de trabalho a despachar milhares de processos e a fazer centenas de julgamentos.